Comprei uma mochila nova há pouco, ela tem lugar pra notebook, mas hoje eu não tava com ele não. Tava de boa, ouvindo um som e olhando o trânsito infernal que, posteriormente, me faria chegar atrasado ao trabalho.
Mas nada dos parágrafos acima é mais importante que o “negão”. Entrou um negão, com mais ou menos 1,90, tatuagens e uns 90kg, na lotação. Ele mudaria meu dia. Primeiro esbarrou a mão em mim, eu olhei feio pra ele porque não gosto que esbarrem em mim na lotação. Daí ele sentou do meu lado.
- Essa perua vai até aonde? - Perguntou.
- Vai até o posto. - Respondi.
Amigos, de onde estávamos (Praça do Acuri) até o tal posto (Rua do Roseiral) dava, mais ou menos, uns 850 metros. O diálogo a seguir revela toda a tensão que essa distância representou.
- Posso te perguntar uma coisa, de boa?
- Pode.
- Roubaram o notebook da minha mulher, foi um cara aí, certo mano, não quero fazer nada contra você quero só descobrir quem foi.
- Vixi, que treta louca. — Aqui eu tentei fingir uma proximidade com o individuo.
- É mano... você faz o que da vida? — Nesse momento eu já sabia que ele não tava muito a fim de saber qual o itinerário da lotação.
- Sou estudante de jornalismo e trabalho, faço estágio. — Estava tentando dar uma de proletariado e tal, sofredor, pra ver se ele desistia do roubo.
- Ah é mano? Se fosse pra você fazer uma reportagem comigo e com minha família, você faria?
- ...mas... o quê?
- Mano, eu tenho uma família assim de quatro filhos e uma mulher, dá pra fazer uma reportagem?
- Er... dá, dá sim.
- Mano, é o seguinte, não vou fazer nada de mal com você mas tenho que ver qual que é, sabe?
- Tô ligado. Você tem quatro filhos, né?
- Cinco.
- Sei... — AHAHAH.
- Mano, é o seguinte, cadê seu RG?
- Meu RG?
- É mano, qual seu nome?
- Leonardo?
- Cadê seu RG, Leonardo?
- Meu RG?
- É mano, alguma coisa pra eu ver seu nome aí.
Eu mostrei o bilhete único pro figura, claro que eu estava tremendo um pouco, afinal, o tal negão era grande e eu já vislumbrava como seria uma briga entre nós ali dentro daquele veículo. Já estava decidido a não dar nada pra ele.
- Mano, eu quero ver o RG!
- Mas eu já mostrei o bilhete único!
- Isso aí qualquer um pode fazer! Cadê o RG?
Percebi que era um pretexto pra olhar minha carteira. Aí que a história fica boa, amigos. Peguei a carteira e tirei a carteirinha da biblioteca (meu RG tava no bolso e eu tava tão nervoso com a situação que tinha esquecido).
Quando eu tirei a carteirinha da biblioteca ele pediu para que eu abrisse a carteira.
- Abre aí, mano!
- Aí ó, tá aberta! — AHHAHAH, eu mostrando a carteira pro figura, quase chorando já. A carteira só tinha cartões e documentos. Não tinha nem moeda! Detalhe: ele não tinha mostrado nenhuma arma, nem nada, apenas tinha dito que era do comando e tava armado. Eu também sou do comando. Comando minha vida. Mas não ia falar isso pra ele, né? Se é louco, auauhuahuah!
- Mano, deixa eu ver sua mochila! — A mochila estava entreaberta porque eu tinha tirado a carteira de dentro.
- Você quer ver minha mochila?
- Bota aqui no meu colo.
- Por quê?
- Mano, bota aqui!
- Você vai pegar minha mochila? — Perguntei essa fazendo a carinha do gato do Shrek.
- Mano, você tá me tirando? Só quero ver sua mochila!
- Toma.
- Isso aqui é seu? — Perguntou mostrando uma trena que eu estava carregando para dar para meu pai depois.
- Sim.
- Cadê seu notebook? — Indagou segurando uma fonte de energia que estava na mochila.
- Essa fonte não é de notebook, é de Playstation.
- Playstation 2?
- Isso.
- Isso é seu? — Ele estava segurando uma outra carteira que estava na mochila, uma mais fina, para colocar cartões. Também estava vazia, ahuuahuaua.
- Sim.
- ....Toma. Viu? Doeu?
- Não.
Daí ele ficou quieto durante vinte segundos. Acho que estava pensando: “Como pude pegar um cara tão duro e com nada pra roubar? Puta que pariu!”
Mas ele pensou bem e lembrou-se do meu celular. Daí eu fiquei puto. Não ia dar meu celular. Não ia.
- Seu celular tem quantos chips?
- Tem dois.
- Deixa eu ver.
- Pra quê? Você vai pegar meu celular? — (Rosto de gatinho do Shrek de novo)
- Mano, deixa eu ver essa porra, você tá me tirando? É a segunda vez que você me tira, maluco, você é louco? Fecha a janela aí! — WTF??? KKKKKK
- Tá calor.
- Fecha aí!
A perua estava bem vazia, acho que ninguém estava reparando na treta.
Dei o celular na mão dele. Os fones de ouvido no meu ouvido.
- Você acha que tua vida vale isso?
Quando ele perguntou isso deu aquele cagaço. Você começa a lembrar de todas as reportagens que tu viu na vida do tipo “morreu por causa de um tênis”. Daí eu respondi:
- Sim.
- Mano, você tá louco? Responde direito! Você acha que tua vida vale isso? — Falou empunhando o celular.
- Sim. — Com rosto do gatinho do Shrek.
- Mano! Tua vida não vale isso seu filho da puta! Tua vida não vale R$ 300!
- Mas é que eu trabalhei muito pra comprar ele. — Que dó, que dó, que dó!
- Mano, você é um filho da puta!
Aí eu decidi que o celular era meu e ponto final.
- Não vou poder te dar meu celular.
- Você não vai me dar seu celuar, seu filho da puta?
- Não.
Tirei o celular da mão dele, me cagando é claro. Mas tirei. Like a boss.
- Seu filho da puta, você vai se fuder ainda. — Falou isso me cutucando com o indicador e me socando depois. Um soco no peito, nada grave.
- Você não vai me dar seu celular mesmo?
- Não. — Olhei através da janela, observando meus últimos momentos de vida. AHUHAUHAUHUAH.
- Fica aí então. — Falou isso e levantou-se.
O ônibus estava entrando na tal rua do posto, eu permaneci olhando pela janela. Acho que ele desceu nesse ponto ou depois, porque quando chegamos à estação ele não estava mais no microônibus. Eu não olhei para trás desde o fim do diálogo.
Quando desci, meu celular estava tocando Stevie Wonder, a música era “Living For The City”.
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