terça-feira, 22 de novembro de 2011

O ASSALTO

Eu trabalho na Barra Funda. Todo santo dia pego uma lotação para o metrô e hoje não foi diferente. Depois de me arrumar, tomar meu toddynho (ui) e carregar o bilhete único na venda, subi no microônibus (com hífen ou sem?).

Comprei uma mochila nova há pouco, ela tem lugar pra notebook, mas hoje eu não tava com ele não. Tava de boa, ouvindo um som e olhando o trânsito infernal que, posteriormente, me faria chegar atrasado ao trabalho.

Mas nada dos parágrafos acima é mais importante que o “negão”. Entrou um negão, com mais ou menos 1,90, tatuagens e uns 90kg, na lotação. Ele mudaria meu dia. Primeiro esbarrou a mão em mim, eu olhei feio pra ele porque não gosto que esbarrem em mim na lotação. Daí ele sentou do meu lado.

- Essa perua vai até aonde? - Perguntou.

- Vai até o posto. - Respondi.

Amigos, de onde estávamos (Praça do Acuri) até o tal posto (Rua do Roseiral) dava, mais ou menos, uns 850 metros. O diálogo a seguir revela toda a tensão que essa distância representou.

- Posso te perguntar uma coisa, de boa?

- Pode.

- Roubaram o notebook da minha mulher, foi um cara aí, certo mano, não quero fazer nada contra você quero só descobrir quem foi.

- Vixi, que treta louca. — Aqui eu tentei fingir uma proximidade com o individuo.

- É mano... você faz o que da vida? — Nesse momento eu já sabia que ele não tava muito a fim de saber qual o itinerário da lotação.

- Sou estudante de jornalismo e trabalho, faço estágio. — Estava tentando dar uma de proletariado e tal, sofredor, pra ver se ele desistia do roubo.

- Ah é mano? Se fosse pra você fazer uma reportagem comigo e com minha família, você faria?

- ...mas... o quê?

- Mano, eu tenho uma família assim de quatro filhos e uma mulher, dá pra fazer uma reportagem?

- Er... dá, dá sim.

- Mano, é o seguinte, não vou fazer nada de mal com você mas tenho que ver qual que é, sabe?

- Tô ligado. Você tem quatro filhos, né?

- Cinco.

- Sei... — AHAHAH.

- Mano, é o seguinte, cadê seu RG?

- Meu RG?

- É mano, qual seu nome?

- Leonardo?

- Cadê seu RG, Leonardo?

- Meu RG?

- É mano, alguma coisa pra eu ver seu nome aí.

Eu mostrei o bilhete único pro figura, claro que eu estava tremendo um pouco, afinal, o tal negão era grande e eu já vislumbrava como seria uma briga entre nós ali dentro daquele veículo. Já estava decidido a não dar nada pra ele.

- Mano, eu quero ver o RG!

- Mas eu já mostrei o bilhete único!

- Isso aí qualquer um pode fazer! Cadê o RG?

Percebi que era um pretexto pra olhar minha carteira. Aí que a história fica boa, amigos. Peguei a carteira e tirei a carteirinha da biblioteca (meu RG tava no bolso e eu tava tão nervoso com a situação que tinha esquecido).

Quando eu tirei a carteirinha da biblioteca ele pediu para que eu abrisse a carteira.

- Abre aí, mano!

- Aí ó, tá aberta! — AHHAHAH, eu mostrando a carteira pro figura, quase chorando já. A carteira só tinha cartões e documentos. Não tinha nem moeda! Detalhe: ele não tinha mostrado nenhuma arma, nem nada, apenas tinha dito que era do comando e tava armado. Eu também sou do comando. Comando minha vida. Mas não ia falar isso pra ele, né? Se é louco, auauhuahuah!

- Mano, deixa eu ver sua mochila! — A mochila estava entreaberta porque eu tinha tirado a carteira de dentro.

- Você quer ver minha mochila?

- Bota aqui no meu colo.

- Por quê?

- Mano, bota aqui!

- Você vai pegar minha mochila? — Perguntei essa fazendo a carinha do gato do Shrek.

- Mano, você tá me tirando? Só quero ver sua mochila!

- Toma.

- Isso aqui é seu? — Perguntou mostrando uma trena que eu estava carregando para dar para meu pai depois.

- Sim.

- Cadê seu notebook? — Indagou segurando uma fonte de energia que estava na mochila.

- Essa fonte não é de notebook, é de Playstation.

- Playstation 2?

- Isso.

- Isso é seu? — Ele estava segurando uma outra carteira que estava na mochila, uma mais fina, para colocar cartões. Também estava vazia, ahuuahuaua.

- Sim.

- ....Toma. Viu? Doeu?

- Não.

Daí ele ficou quieto durante vinte segundos. Acho que estava pensando: “Como pude pegar um cara tão duro e com nada pra roubar? Puta que pariu!”

Mas ele pensou bem e lembrou-se do meu celular. Daí eu fiquei puto. Não ia dar meu celular. Não ia.

- Seu celular tem quantos chips?

- Tem dois.

- Deixa eu ver.

- Pra quê? Você vai pegar meu celular? — (Rosto de gatinho do Shrek de novo)

- Mano, deixa eu ver essa porra, você tá me tirando? É a segunda vez que você me tira, maluco, você é louco? Fecha a janela aí! — WTF??? KKKKKK

- Tá calor.

- Fecha aí!

A perua estava bem vazia, acho que ninguém estava reparando na treta.

Dei o celular na mão dele. Os fones de ouvido no meu ouvido.

- Você acha que tua vida vale isso?

Quando ele perguntou isso deu aquele cagaço. Você começa a lembrar de todas as reportagens que tu viu na vida do tipo “morreu por causa de um tênis”. Daí eu respondi:

- Sim.

- Mano, você tá louco? Responde direito! Você acha que tua vida vale isso? — Falou empunhando o celular.

- Sim. — Com rosto do gatinho do Shrek.

- Mano! Tua vida não vale isso seu filho da puta! Tua vida não vale R$ 300!

- Mas é que eu trabalhei muito pra comprar ele. — Que dó, que dó, que dó!

- Mano, você é um filho da puta!

Aí eu decidi que o celular era meu e ponto final.

- Não vou poder te dar meu celular.

- Você não vai me dar seu celuar, seu filho da puta?

- Não.

Tirei o celular da mão dele, me cagando é claro. Mas tirei. Like a boss.

- Seu filho da puta, você vai se fuder ainda. — Falou isso me cutucando com o indicador e me socando depois. Um soco no peito, nada grave.

- Você não vai me dar seu celular mesmo?

- Não. — Olhei através da janela, observando meus últimos momentos de vida. AHUHAUHAUHUAH.

- Fica aí então. — Falou isso e levantou-se.

O ônibus estava entrando na tal rua do posto, eu permaneci olhando pela janela. Acho que ele desceu nesse ponto ou depois, porque quando chegamos à estação ele não estava mais no microônibus. Eu não olhei para trás desde o fim do diálogo.

Quando desci, meu celular estava tocando Stevie Wonder, a música era “Living For The City”.

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